Cheguei em casa por volta das 11h30, naquele sábado, após
uma maratona do mestrado, às voltas de investigar uma tal de infografia, entre
teorias semióticas e metodologias complicadas. Estudava um certo “alfabetismo
visual”, tentando compreender a linguagem que, hoje sei, só faz sentido quando
o coração está no bico da pena.
Luciana estava na cozinha preparando algo para o almoço.
Linda, Luciana, sempre linda. A voz mansa, o sorriso perfeito....Me encantei
por ela na sala de aula. Professor inspirado, notei a moça de cabelos
encaracolados logo nos primeiros dias de 1996. Ela vestia uma camisa com estampa de oncinha e usava óculos de grau
– adoro óculos. Eles protegem a beleza como uma cortina transparente.... Quando
não estão lá, a luminosidade explode.
Naquela manhã, minha esposa estava especialmente feliz e não
economizava sorrisos. Havia um brilho secreto nos seus olhos claros que
remetiam ao nosso primeiro beijo no alto da megalópole, ao som de um bom
piano...
Deixamos uma porção de lulas que nada combinava com vinho
tinto de segunda emborrachar sobre a
mesa... Por mais de 10 anos, lembramos aquela noite.
Outras noites lindas vieram e um tema era freqüente: a
continuidade. Sim, éramos jovens e deliciosamente sonhadores. Queríamos nosso
canto, nossa história, nossa vida.
Namoramos pouco... Um ano, um mês e nove dias... Tempo
suficiente para esboçar nossas primeiras telas, ainda com traços de carvão,
rabiscando a vida, como se fôssemos capazes de desenhar o futuro.
Jornalistas que somos, começamos pelas letras. Surgiu um
“L”, depois o “U” . Um estranho e mágico consenso deu forma à palavra Luísa, assim com “s” e acento no “I”.
Desenhamos seus cabelos, esculpimos seu rosto, iluminamos
seus olhos... Nada nesse mundo foi criado com tanto zelo, tanto amor e tanto
carinho. Nenhum desenho era tão real mesmo saindo das mãos de artistas amadores
que éramos.
Naquela manhã de sábado, os esboços da nossa vida estavam
quase todos prontos. Neles cabiam cenas de jantares deliciosamente longos,
perfis de amigos eternos e rabiscos de viagens que tinham o oceano ao fundo.
Na mesa da sala, um envelope branco, com uma folha escrita
com números e letras pequenas estava a minha espera. Cheguei esbaforido e olhei
superficialmente. Não entendi muito bem... A ficha demorou a cair... Eram
números de partículas com um referencial.
Luciana me induziu ao erro dizendo que não seria daquela
vez. Li, reli e... EPA!!!!
Faltavam naquele papel os cabelos ruivos, olhos claros e o
sorriso aberto. Ali também não estavam as manchas de noites acordadas, borrões
de preocupações, medos e anseios.
Não havia no desenho das letras o movimento engraçado dos
bracinhos abrindo de repente. Não havia nada. Mas, não importa... Luísa saltava
do papel para as nossas vidas como o projeto de uma grande escultura.
Tive em minhas mãos um desenho de Amilcar de Castro para uma
pulseira de prata que a joalheira Beth Loeb desenvolveu. Eram cartolinas
enormes, com cálculos e rabiscos. Não importava para o mestre o tamanho de sua
criação, mas sim a grandiosidade da idéia. Pulseiras delicadas ou esculturas
gigantes brotavam da mesma forma.
Luísas tem um tom concretista. São grandes, fortes e
imponentes. Não passam despercebidas.
Desde a Luísa de Tom Jobim, como um brilhante que partindo a luz explode em sete cores, passando
por outras Luísas históricas que tive a honra de conhecer, todas enfrentam as
três dimensões com muita coragem.
Luiza Eluf, promotora de aço que catalogou com propriedade
os crimes contra mulheres, discursou para os meus alunos em uma noite inspirada.
Luiza Erundina, primeira prefeita que enfrentou a São Paulo
de homens pouco educados e políticos corruptos, tive a honra de entrevistar em
momentos críticos. Monumento de honestidade e coragem!
Luísas são assim, com S ou com Z, não vieram ao mundo para
pouco. São esculturas perenes que fazem e contam a sua história sem medo do
metal que Amilcar de Castro retorceu e do brilhante que Tom Jobim converteu em
poesia.
Naquela manhã, era minha Luísa que se anunciava. Minha
escultura que, contra a luz, reflete
tons de rosa e carmim.
Ao metal corajoso que forja o seu espírito, acrescentamos
cores e contornos. Nas faces, arredondamos bochechas fartas com massa de
bondade e verniz de alegria.
Desfiamos fios de ouro para recobrir a obra em alto estilo.
O olhar, iluminamos como o céu que só Cézanne soube pintar, recoberto com
resina forte de generosidade e compreensão.
O coração, esse sim, elemento crucial da escultura, eu e
Luciana moldamos em dois tempos. Preenchi cada ventrículo com o amor pelos mais
fracos e esse espírito de herói que todo jornalista carrega em sua alma.
A mãe deu o acabamento associando a ternura, a fragilidade
toda feminina, a atenção com os mais velhos e a capacidade de chorar até em
casamento errado.
Escondido, numa noite de luar, acrescentei àquele coração o amor pelos animais que a mãe
sempre quis distantes da sua casa.
Nossa escultura teve várias fases. Algumas mais arredondadas,
outras pontiagudas e doloridas, como a suspeita de meningite aos primeiros dias
de vida.
Hoje, nós, pretensos artistas, assistimos ao mundo
acrescentar cores e tons à nossa obra. Dolorido, a cada dia, perder a autoria
de algo tão lindo e fascinante.
Por outro lado, como obra aberta que somos, nos orgulhamos dos
contornos que a vida acrescenta aos nossos traços.
Amanhã nossa escultura ganhará títulos e prêmios, honras e
diplomas. O nome Luísa pode ser precedido de termos como doutora, engenheira,
veterinária, professora ou até – que
Deus a livre – jornalista.
Mas apenas quando a criatura esculpir sua própria obra,
compreenderá que nada nesse mundo é mais forte que o metal que a forjou: o
amor!
Uau, texto lindo, emocionante!
ResponderExcluirAcredito que gerar um filho é um troço que não dá pra explicar e nem entender antes de
acontecer, mesmo.
No entanto, aqui do outro lado da tela senti tamanha intensidade que tudo isso significa
para você!
Ronald, amigo querido, vc já deve ter lido por aí que quando nasce um filho, também nasce um pai e uma mãe. Isso quer dizer que os pais de um filho perfeito não deixaram um manual escrito com o passo a passo para um final feliz.
Mas esse seu carinho, amor e cuidado com a Luísa é emocionante, um verdadeiro exemplo, parabéns.
Consigo daqui, sentir e imaginar suas duvidas, suas ansiedades e seus medos, que diga-se de passagem, você e a Luciana se superaram.
Ronald, sua filha deve ter muito orgulho do amor que o pai dela tem por ela.
ResponderExcluirPalavras maravilhosas que me levaram a sentir o coração bater apressado ao sentir um pouco da emoção de vocês.
Conheço sua obra de arte e ela é realmente linda.
Parabéns aos criadores!
Sueli Pegoraro
Nossa, que texto mais lindo......conseguiu expressar em palavras, sentimentos. Parabéns!! Bjs
ResponderExcluirAna's e Sueli, muito obrigado pelo carinho... beijos
ResponderExcluirNossa, realmente um texto maravilhoso Ro! A Luisa e assim tão linda, por dentro e por fora, por ter pais tão maravilhosos como vc e a Lu, que souberam e sabem a conduzir da melhor forma, desde a sua criação, como vc escreve! Me emocionei, de verdade! Gde bjo saudades!
ResponderExcluirRonald, a Luísa é a garota mais linda, mais doce e mais inteligente que já conheci! parabéns a vc e a Luciana por terem forjado uma escultura tão linda!
ResponderExcluirSem palavras... emocionada com tanta ternura e amor.. Lu
ResponderExcluirFabiana e Lu's, obrigado... vcs acompanham essa obra de perto.. bjs
ResponderExcluirO nó na garganta não me permite dizer uma só palavra.... beijo imenso! Sil
ResponderExcluirEi, esse horário aí tá errado... hehehe
ResponderExcluirSão 19:38
arruma ae!
Sil
Amei!!! Me emocionou muito!!! Parabéns!!!
ResponderExcluireiii.... identifique-se!
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